domingo, 26 de fevereiro de 2012

O andarilho e o velho caduco.



Um caminhar, tanto quanto sem direção, era observado pelos olhos voltados ao chão. Curvada a cervical enquanto passos eram traçados com a solidão definia a posição do andarilho triste por uma rua gélida e cinza, havia estranheza ao observar um local que até ontem vibrava com sua imensidão de cores e explosões de amores, envoltos a uma praça onde crianças brincavam felizes, que hoje apenas o cinza cobriam os antes iluminados e azulados céus, que as flores nesse dia decidiram não desabrochar para tirar do jardim a monotonia do verde e preenche-lo com os rosas e vermelhos tons que fazem a cabeça dos apaixonados. As crianças? Estas resguardavam-se em suas casas para livrar-se da praga que assolava a Rua do Coração, na travessa do desconhecido. A tristeza tratou de deixar doentes e febris os alegres moradores daquela rua.
Ao longe de poucos minutos, o rapaz de cabelos assanhados pelo vento, trajando um, muito suntuoso, sobretudo preto, continuou seu caminho sem rumo até a cafeteria da esquina, para tomar seu matinal expresso como de costume, mas por surpresa, ao realizar seu pedido à atendente, recebera uma péssima notícia. "Só tem capuccino!", ora, mas se tem capuccino tem café... "Só tem capuccino!", por desgosto de já encontrar-se sentado aquela mesa gelada e a fim de livrar-se o mais rápido da cara maldita que tinha aquela atendente, que traga o capuccino então, por que não tomá-lo para enjoar mais sua solidão?
O local continuava vazio, seria possível ouvir um 'cri-cri', mas nem os grilos pareciam querer sair de suas tocas hoje. Seu capuccino chegou, enchendo o ar com aquele odor doce e enjoado de canela, era involuntário não franzir o cenho ao sentir aquilo, acostumou-se tanto com o sabor do amargo que o doce tornara-se indesejado. Ao longe, na rua, um senhor caminhava segurando em uma de suas mãos um guarda-chuva vermelho, trajando vestes cor de tijolo e pantufas rosa pink. Mas que desparate, quem neste mundo veste cor de tijolo com pantufas rosa pink? Mas não eram as vestes daquele senhor que o incomodavam, em seu rosto ele trazia um expressão estranha, as bochechas erguidas, os dentes a mostra, os olhos apertados como alguém que não conseguia enchergar... que velho mais estranho esse! É claro que está caducando! O azedume da velhice com certeza o pegou de jeito, pobre senhor.
Mas para o seu azar, o velho caduco caminhou em direção a sua mesa, com educação perguntou-lhe se poderia sentar ali, pois a cafeteria estava muito cheia e não haviam mais lugares para sentar-se. "Mas a cafeteria está vazia!", brandou o andarilho, "Posso te fazer companhia?", perguntou sorridente o velho. E para que não se escutasse mais o som da sua voz, aceitou-se a companhia. A atendente veio anotar o pedido, mas o velho não queria nada, apanhou o jornal e pôs-se a ler, por horas soltavam algumas gargalhadas. Curioso, o andarilho enclinou-se para observar a notícia tão engraçada, mas o jornal encontrava-se em branco. Só lhe faltava essa! Rir do nada? Esse velho já estava torrando a paciência. Até que tomou-lhe a ousadia de perguntar: "O que te aflige jovem rapaz?"
Muito nervoso, o rapaz jogou a xícara ao chão e disse ao velho que não lhe devia satisfações, com um sorriso de canto, aquele senhor soltou um 'mixoxo', "Como e imaginei!" caducou mais uma vez. O rapaz ainda mais nervoso apanhou o jornal e o rasgou, na frente do velho. Muito calmo, o senhor apanhou em seu bolso um aparelho de mp3, bem antigo, colocou seus fones e pôs-se a cantarolar. Não era possível... como esse velho podia estar feliz num dia como hoje? Não resistiu, teve que perguntar: "Por que o senhor está tão feliz?", "Minha esposa morreu", respondeu o velho... agora sim, certeza absoluta, esse velho percisa ser internado, feliz por que a esposa morreu? Como além de louco era insensível?
O rapaz já não aguentava mais, precisava sair de perto daquele louco terrível, apanhou o guarda-chuva e levantou-se, até que o velho começou a falar...
"Era um dia como este, tudo cinza e vazio, eu me levantava para ir ao trabalho por mais um longo dia, minha esposa me esperava a mesa, alegre e sorridente, fez os ovos mechidos como eu adorava, colheu pêssegos na orta do rancho onde morávamos e fez um suco bem fresco, apanhou alguns jasmins e colocou sobre a mesa do café da manhã para aromatizar o ambiente. Mas como sempre eu não reparei, apanhei um sanduiche e fui comendo no carro a caminho do trabalho. Não tinha tempo para aquelas sandices... Depois de um longo dia de trabalho voltei para casa, e sorridente ela estava a me esperar para o jantar, preparou uma salada de lagosta, a minha predileta, mas estava sem apetite, tomei um copo de leite e fui me deitar. No dia seguinte ela iria viajar, mas tinha muitos afazeres e mandei o motorista leva-la ao aeroporto, então, fui para mais um dia de trabalho, mas no caminho fui interrompido por uma ligação, era o motorista, informando-me que minha esposa havia passado mal e estava a caminho do hospital, não pensei em nada, apenas mudei minha rota e fui ao encontro dela, consegui encontra-la na maca e a caminho da sala de cirurgia,não compreendi muito bem o que estava acontecendo, peguei em sua mão e neste momento ela abriu os olhos, aqueles lindos olhos azuis que a muito tempo eu não reparava, em sua boca ela já mostrava um sorriso e olhou diretamente nos meus olhos. 'Eu sabia que você estaria ao meu lado', ela me disse sem fôlego. Mais tarde os médicos me informaram, ela não resistiu a cirurgia e faleceu, foi então que descobri que a um ano, minha esposa foi diagnosticada com um tumor irreversível no cérebro, ela havia feito o acompanhamento médico sem me informar e durante todo aquele tempo, em que esperava a morte chegar, ela continuou ao meu lado, sempre sorridente, sempre alegre e motivada, me dando todo o apoio e suporte do qual eu necessitei, jamais soltou a minha mão, em nenhum momento, mesmo quando ela tinha motivos suficientes para desabar em tristeza e solidão ela optou pela felicidade. Voltei pra casa sem chão, meu mundo não fazia mais sentido, deitei sobre a cama que ainda tinha o seu cheiro, até que encontrei um bilhete deixado por ela e nele dizia: 'Estarei sempre ao seu lado, toda vez que você sorrir, pois foi a este fim que dediquei toda a minha vida!'. E desde então eu prometi não me apegar a tristeza, pois com ela eu me sinto só e sorrindo eu me sinto amado."
O andarilho não disse mais nada, suas lágrimas escorriam sobre seu rosto, ele cumprimentou o velho, pagou a conta e voltou a caminhar, mas desta vez, em seu rosto, ele carregava a expressão da loucura, deixara a normalidade pra dedicar-se então a encontrar sua caduca felicidade.

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