domingo, 26 de fevereiro de 2012

O andarilho e o velho caduco.



Um caminhar, tanto quanto sem direção, era observado pelos olhos voltados ao chão. Curvada a cervical enquanto passos eram traçados com a solidão definia a posição do andarilho triste por uma rua gélida e cinza, havia estranheza ao observar um local que até ontem vibrava com sua imensidão de cores e explosões de amores, envoltos a uma praça onde crianças brincavam felizes, que hoje apenas o cinza cobriam os antes iluminados e azulados céus, que as flores nesse dia decidiram não desabrochar para tirar do jardim a monotonia do verde e preenche-lo com os rosas e vermelhos tons que fazem a cabeça dos apaixonados. As crianças? Estas resguardavam-se em suas casas para livrar-se da praga que assolava a Rua do Coração, na travessa do desconhecido. A tristeza tratou de deixar doentes e febris os alegres moradores daquela rua.
Ao longe de poucos minutos, o rapaz de cabelos assanhados pelo vento, trajando um, muito suntuoso, sobretudo preto, continuou seu caminho sem rumo até a cafeteria da esquina, para tomar seu matinal expresso como de costume, mas por surpresa, ao realizar seu pedido à atendente, recebera uma péssima notícia. "Só tem capuccino!", ora, mas se tem capuccino tem café... "Só tem capuccino!", por desgosto de já encontrar-se sentado aquela mesa gelada e a fim de livrar-se o mais rápido da cara maldita que tinha aquela atendente, que traga o capuccino então, por que não tomá-lo para enjoar mais sua solidão?
O local continuava vazio, seria possível ouvir um 'cri-cri', mas nem os grilos pareciam querer sair de suas tocas hoje. Seu capuccino chegou, enchendo o ar com aquele odor doce e enjoado de canela, era involuntário não franzir o cenho ao sentir aquilo, acostumou-se tanto com o sabor do amargo que o doce tornara-se indesejado. Ao longe, na rua, um senhor caminhava segurando em uma de suas mãos um guarda-chuva vermelho, trajando vestes cor de tijolo e pantufas rosa pink. Mas que desparate, quem neste mundo veste cor de tijolo com pantufas rosa pink? Mas não eram as vestes daquele senhor que o incomodavam, em seu rosto ele trazia um expressão estranha, as bochechas erguidas, os dentes a mostra, os olhos apertados como alguém que não conseguia enchergar... que velho mais estranho esse! É claro que está caducando! O azedume da velhice com certeza o pegou de jeito, pobre senhor.
Mas para o seu azar, o velho caduco caminhou em direção a sua mesa, com educação perguntou-lhe se poderia sentar ali, pois a cafeteria estava muito cheia e não haviam mais lugares para sentar-se. "Mas a cafeteria está vazia!", brandou o andarilho, "Posso te fazer companhia?", perguntou sorridente o velho. E para que não se escutasse mais o som da sua voz, aceitou-se a companhia. A atendente veio anotar o pedido, mas o velho não queria nada, apanhou o jornal e pôs-se a ler, por horas soltavam algumas gargalhadas. Curioso, o andarilho enclinou-se para observar a notícia tão engraçada, mas o jornal encontrava-se em branco. Só lhe faltava essa! Rir do nada? Esse velho já estava torrando a paciência. Até que tomou-lhe a ousadia de perguntar: "O que te aflige jovem rapaz?"
Muito nervoso, o rapaz jogou a xícara ao chão e disse ao velho que não lhe devia satisfações, com um sorriso de canto, aquele senhor soltou um 'mixoxo', "Como e imaginei!" caducou mais uma vez. O rapaz ainda mais nervoso apanhou o jornal e o rasgou, na frente do velho. Muito calmo, o senhor apanhou em seu bolso um aparelho de mp3, bem antigo, colocou seus fones e pôs-se a cantarolar. Não era possível... como esse velho podia estar feliz num dia como hoje? Não resistiu, teve que perguntar: "Por que o senhor está tão feliz?", "Minha esposa morreu", respondeu o velho... agora sim, certeza absoluta, esse velho percisa ser internado, feliz por que a esposa morreu? Como além de louco era insensível?
O rapaz já não aguentava mais, precisava sair de perto daquele louco terrível, apanhou o guarda-chuva e levantou-se, até que o velho começou a falar...
"Era um dia como este, tudo cinza e vazio, eu me levantava para ir ao trabalho por mais um longo dia, minha esposa me esperava a mesa, alegre e sorridente, fez os ovos mechidos como eu adorava, colheu pêssegos na orta do rancho onde morávamos e fez um suco bem fresco, apanhou alguns jasmins e colocou sobre a mesa do café da manhã para aromatizar o ambiente. Mas como sempre eu não reparei, apanhei um sanduiche e fui comendo no carro a caminho do trabalho. Não tinha tempo para aquelas sandices... Depois de um longo dia de trabalho voltei para casa, e sorridente ela estava a me esperar para o jantar, preparou uma salada de lagosta, a minha predileta, mas estava sem apetite, tomei um copo de leite e fui me deitar. No dia seguinte ela iria viajar, mas tinha muitos afazeres e mandei o motorista leva-la ao aeroporto, então, fui para mais um dia de trabalho, mas no caminho fui interrompido por uma ligação, era o motorista, informando-me que minha esposa havia passado mal e estava a caminho do hospital, não pensei em nada, apenas mudei minha rota e fui ao encontro dela, consegui encontra-la na maca e a caminho da sala de cirurgia,não compreendi muito bem o que estava acontecendo, peguei em sua mão e neste momento ela abriu os olhos, aqueles lindos olhos azuis que a muito tempo eu não reparava, em sua boca ela já mostrava um sorriso e olhou diretamente nos meus olhos. 'Eu sabia que você estaria ao meu lado', ela me disse sem fôlego. Mais tarde os médicos me informaram, ela não resistiu a cirurgia e faleceu, foi então que descobri que a um ano, minha esposa foi diagnosticada com um tumor irreversível no cérebro, ela havia feito o acompanhamento médico sem me informar e durante todo aquele tempo, em que esperava a morte chegar, ela continuou ao meu lado, sempre sorridente, sempre alegre e motivada, me dando todo o apoio e suporte do qual eu necessitei, jamais soltou a minha mão, em nenhum momento, mesmo quando ela tinha motivos suficientes para desabar em tristeza e solidão ela optou pela felicidade. Voltei pra casa sem chão, meu mundo não fazia mais sentido, deitei sobre a cama que ainda tinha o seu cheiro, até que encontrei um bilhete deixado por ela e nele dizia: 'Estarei sempre ao seu lado, toda vez que você sorrir, pois foi a este fim que dediquei toda a minha vida!'. E desde então eu prometi não me apegar a tristeza, pois com ela eu me sinto só e sorrindo eu me sinto amado."
O andarilho não disse mais nada, suas lágrimas escorriam sobre seu rosto, ele cumprimentou o velho, pagou a conta e voltou a caminhar, mas desta vez, em seu rosto, ele carregava a expressão da loucura, deixara a normalidade pra dedicar-se então a encontrar sua caduca felicidade.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

De volta à praia.

Os pés tocavam a areia fofa, que aos passos se moldavam a forma do pé, contornando de forma suntuosa e por vez ao retirá-los, marcavam as pegadas indicativas de que alguém havia passado por aquele exato local.

Aquele lugar não lhe era estranho, intimamente tinha a sensação de que já estivera ali antes, não sabia ao certo dizer quando, mas aquela areia e os coqueiros a vista no horizonte, traziam a Calvin uma paisagem da qual ele reconhecia. Os olhos insistiam em percorrer o local enquanto sua mente buscava em seu acervo memorial algo similar a aquela vista. Aos poucos o jovem alto e de cabelos negros caminhava sobre a praia sem rumo ou direção definida, mas espera um pouco... Acho que este trecho já foi escrito, não?

Os passos cessaram diante da imensidão de areia que existia a sua frente, aquele local era mais do que familiar, suas areias ainda carregavam as energias do 19 de março. Por um momento Calvin direcionou seu olhar ao horizonte, o mar carregava um tom de azul-anil de tirar o fôlego, ao contrário daquele dia o céu não carregava seu tom cinza da paisagem nublada, o sol brilhava e fazia arder a nuca daquele rapaz que jazia como bobo, sorrindo, parado em meio a imensidão, contemplando a brisa que fazia seu cabelo rechicotear em seu rosto. Havia algo além daquele sorriso, naquela face, seu olhar trazia um brilho intenso, que apenas uma alma tão humana poderia expressar, trazia um tom vivo e límpido do qual seu alter-ego jamais havia provado.

De repente, uma pontada lacerante atingiu Calvin na nuca, em reflexo sua mão guiou ao local onde logo palpava-se um inchaço, seu pescoço torceu quando seu ouvidos escutaram uma voz que logo foi identificada a quem pertencia.

- Atitude boba essa de ficar olhando o mar e sorrindo velho amigo! – O garoto moreno que um dia encontrou-se naquele local, agora encontrava-se sentado em uma pedra alta, com as bermudas dobradas nas barras, uma camiseta regada e um óculos escuro, com as pernas balançando de um lado a outro soltas no ar e tacando pedras no horizonte, como a que acabara de atingir Calvin na nuca.

- Creio que aprendi a ser bobo com certo alguém... Não acha? – Respondeu Calvin em aspecto de alfinetada.

- Então vejo que finalmente aprendeu algo de útil. (risos)

- O que traz a sua figura tão ilustre aqui hoje?

- O mesmo que me trouxe da última vez dear Calvin... As circunstâncias. – Por um instante Calvin teve a impressão de que o garoto olhava para outro local, virou o rosto para observar.

A alguns metros dali, pequenos pontos negros começavam a brotar em meio a areia clara. Pequenos filhotes de tartaruga agora saiam de seus ninhos e se arrastavam na direção do mar, como pequenos grãos que rolavam em meio a imensidão da praia, aquelas coisinhas tão esquisitas e desengonçadas agora partiam para encontrar a água. Não demorou muito para que em instantes toda a areia se cobrisse de pontos negro que caminhavam na mesma direção, como uma marcha que tendiam a alcançar seu objetivo.

- Consegue ver além das imagens Calvin?

- Pequenos seres que caminham ao horizonte?

- Sim Calvin, pequenos seres que caminham ao horizonte... Sabe quantos deles chegaram a vida adulta?

- Menos de um por cento.

- Lamentável não é mesmo?

Calvin preferiu não responder, por um instante desejou ouvir a reflexão do velho amigo.

- Não Calvin, não é lamentável. Independente se todos alcançarão seu objetivo ou não, é possível ver a intensidade com que essas pequenas tartarugas correm na direção do mar, a vontade da qual elas se inundam e se banham na intenção de viver. Elas mal sabem o mundo que as aguardam, um mundo frio, injusto, mas no qual sua doce inocência ainda espera que as acolham de forma quente e com afagos. Mas uma coisa Calvin, ainda assim elas querem viver, eles correm para viver e elas lutam para viver. Predadores? Esses realmente não faltaram, mas quem foi que disse que a vida tem que ser linda pra ser perfeita? O que mais importa neste momento é a força e a paixão que as motiva, viver é acima de tudo um ato de vontade, é preciso querer muito para ter algum resultado, mesmo que não o resultado do qual você aguarda ou espera, mas saber que no final você poderá olhar pra trás e contemplar os momentos pelos quais você passou, e agradecer por cada aprendizado que a vida lhe deixou. E fazer das cicatrizes das suas quedas pontos fortes para encarar novas quedas. O tombo é bom, balança as estruturas do ser, viver nas nuvens é leve demais, bom mesmo é caminhar, calejar os ossos, fortalecer as articulações, fazer o sangue correr nas veias e se sentir vivo... Você se sente vivo Calvin?

- Prefiro ficar em silêncio. Responder seria um sacrilégio à vida que habita dentro de mim, pois o real sentido da vida é não haver resposta, cada passo constitui-se de uma nova descoberta, se você sabe todas as respostas, pra que viver então?

Mais uma vez, num piscar de olhos aquele velho amigo não estava mais ao seu lado. Decidiu então continuar a caminhar, sem rumo, para quem sabe de surpresa, no caminho ele encontrasse algo de interessante.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Não diga sim, caso acredite no não.

Era manhã de quarta-feira, Calvin estava na sala de reuniões, toda a equipe reunida na decisão de um único projeto. Um projeto milionário, um contrato fantástico, anos de lucro pra companhia publicitária, apenas esse contrato fechado e a alavanca pro sucesso definitivo estaria fechada. Em pouco tempo a companhia se tornaria uma das maiores concorrentes do ramo... tudo dependia apenas de um contrato.

-... não tenho certeza se podemos fazer esse projeto, concordar com isso vai contra tudo que acreditamos! – As palavras de Calvin quebraram o completo silêncio da sala, todos carregavam um semblante preocupado, a tensão era visível entre as faces que contornavam sinuosamente a comprida mesa da sala de reunião.

- Call, é um contrato muito grande... talvez devêssemos deixar alguns valores de lado. É o sinônimo de sucesso para a companhia... – Elizabeth, diretora de marketing executivo, era uma mulher de baixa estatura, cabelos muito negros e lisos caiam sobre seus ombros, evidenciando um forte contraste com sua pele muito branca e seus olhos de cor azul-piscina.

- Beth... é grosseiro tentar contornar uma situação como essa, é insensato, é contra todos os valores de igualdade pregados pela companhia. Durante anos, muitos de nós trabalhamos duro sobre isso... aceitar é negar de onde viemos, de nossas bases, de nossas crenças. – Calvin apesar das palavras parecia conturbado e balançado com tal situação.

- Quem sabe conseguimos mudar a idéia do cliente... tentar que ele não seja tão conservador e rígido quanto a campanha... – Sugeriu um dos acionistas que se sentava no fim da mesa.

- O cliente foi claro... todos sabem o quanto conservador ele é. Inútil define sua proposta. – Respondeu o dirigente contratual.

- Rick? – Perguntou Calvin como uma última súplica, Ricardo era seu sócio, aquela decisão cabia a ele também...

Ricardo por sua vez nada disse durante a reunião, apenas permaneceu calado em sua cadeira, os olhos vidrados no meio da mesa, nenhuma palavra. Seu silêncio era frustrante, Calvin por um momento quis apenas tirar todo o peso dos seus ombros, sentiu-se só, sem saber o que fazer.

Calvin pediu que desse a reunião por encerrada, todos se levantaram e apenas os dois sócios permaneceram em sala.

- O que você tem a dizer? - Perguntou Calvin em tom de última vez.

- Nada! – Sem expressão aquelas palavras foram proferidas.

- COMO NADA? COMO NADA? ISSO É O FUTURO DE UMA EMPRESA QUE NÃO É SÓ MINHA, METADE DISSO AQUI É SEU... É UMA DECISÃO QUE TAMBÉM CABE A VOCÊ. – Calvin não conseguiu manter o controle.

- Calvin essa decisão traria tudo que nós sempre buscamos, a ascensão profissional que nós sonhamos desde que fundamos essa companhia... mas eu confesso que não sei. – O rapaz levantou-se, pegou sua pasta, deu um abraço no amigo... – Você sempre foi melhor que eu em tomar essas decisões difíceis, eu não sei o que fazer, mas eu sei que você vai tomar a escolha certa. – Assim seguiu até a porta e saiu da sala.

Calvin jogou-se sobre sua poltrona, naquele momento sua mente vagava sem saber pra onde ir. Foi para casa, no dia seguinte iria dar sua resposta e apresentar o projeto aos clientes, precisava decidir-se, preferiu ir dormir, mas o sono decidiu fugir, caminhou em círculos no quarto durante quase a noite inteira, quando finalmente conseguiu dormir, seu relógio despertou avisando que era hora de ir a agencia. Vestiu-se e dirigiu-se até lá, no caminho não olhou pra nada, não viu nada.

Seu estômago embrulhava no elevador, as pontas de seus dedos estavam completamente geladas, sua respiração era lenta, tudo parecia passar em câmera lenta, ao entrar no hall os clientes já estavam prontos para a reunião, Ricardo o aguardava na porta da sala. Ele olhou pra Calvin, que balançou a cabeça em tom de confirmação. Todos entraram na sala. Calvin e Ricardo começaram a apresentar o projeto, o contrato seria fechado.

Até que...

- Para. – Disse Calvin a Ricardo no meio da apresentação.

Ricardo não disse nada, apenas interrompeu sua fala.

- O que está acontecendo? – Perguntou o cliente, um senhor baixo, de aparência robusta e quase sem pescoço, careca e tinha as bochechas rosadas.

- O que está acontecendo Sr. Drumstrang, é que infelizmente nossa companhia não pode atender a suas exigências. Eu realmente peço-lhe mil desculpas, mas não poderemos manter a campanha em tal padrão. Sinto muito.

Nada mais foi dito, Ricardo sorriu para o amigo. A reunião deu-se por encerrada.

Muitas vezes nos submetemos a atitudes das quais não concordamos, nos sujeitamos a aceitar condições das quais não nos satisfazem. A todo o momento traçamos planos, e para realizarmos estes, esquecemos de quem somos verdadeiramente, daquilo do qual somos feitos. Deixamos crenças de lado, valores de lado, sentimentos de lado em nome do profissional, do ético e do sonho. A razão é a nossa melhor amiga, não vá de contra a ela, não seja tão duro com você, antes de tudo respeite-se, você pode mais do que realmente acredita. Nunca saberemos o que acontecerá no futuro, por mais que tudo seja planejado, chegará um momento em que você obrigatoriamente terá que fazer escolhas... talvez nesse momento pouco importe o que você acredita ou o que os outros acreditam, você priorizará o resultado, mas não se esqueça que talvez, no futuro, você se envergonhe quando olhar no espelho e não se reconhecer, não se transforme em quem você não é, nem ao menos tente, pois lá no fundo, na sua consciência você continuará do mesmo jeito, não importa o quanto minta pra si mesmo, é inútil.

E mesmo que o sonho venha a ser interrompido por uma não escolha, ou por uma escolha, não se arrependa, pois nossos sonhos só se tornam realidade quando são nossos, viva ele, não construa outra pessoa para viver nele.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Permita-se...

9:00 horas da manhã. Calvin acabara de entrar no escritório do Dr. Berto Santana, deitara diretamente no divã, aguardando para o início da seção. O Dr. Berto entrou na sala trajando de suas vestimentas de sempre, a camisa social em tom cinza e a calça preta, os óculos esguios depositados na metade do eixo nasal, a planilha em seu colo e a caneta pronta para suas rotineiras anotações.

Calvin apanhou uma maça na fruteira ao lado do divã, a observou por um período e logo lhe deu uma abocanhada com força, em sua frente a velha estante de livros. Percorria os olhos na esperança de achar o título que lhe promovesse a começar sua análise. Não encontrou...

- Sem idéia de por onde começar? – Indagou o doutor.

- Procurando a melhor forma... – Respondeu o rapaz sem mais delongas.

- Comece pelo começo, cru e sem teatralidade. – Opinou Dr. Berto sem tirar a caneta e os olhos do papel.

Era sexta-feira, noite, Calvin havia se aprontado para sair, um pub novo havia sido aberto na cidade e por ventura fora presenteado com entradas para a inauguração. A noite não prometia muita coisa, as últimas noites haviam sido monótonas e sem nada demais, não lhe parecia que esta seria diferente. Chegou ao pub e sentiu a vibração do lugar, inúmeras pessoas procurando por uma noite de prazer e diversão ao mesmo tempo, exalando feromônios em seus jogos de sedução e conquistas, olhares sendo trocados e drinques sendo tomados. Dirigiu-se ao bar e logo em seu azar uma moça muito bonita, morena, de cabelos negros e olhar profundo esbarrou-se em Calvin, derramando sobre ele um copo de Campari que logo transformou um pedaço de suas veste na cor vermelha.

- Perdão... me desculpe, por favor me desculpe. – Suplicou a moça, que ao olhar o rosto de Calvin sorriu, com o sorriso veio uma cova em sua bochecha da qual não pode deixar de ser notada por Calvin.

- Tudo bem, eu trouxe uma jaqueta e pela temperatura sei que vou usá-la – Respondeu ele.

A mulher vez menção de quem iria puxar assunto, porém Calvin lhe deu as costas e seguiu para o balcão. Após alguns drinques e olhares, sentou-se, ao seu lado sentou-se também uma mulher loira, em seus fartos lábios depositava-se um batom de tom vermelho, tal que contrastava com o tom muito branco de sua pele, seus olhos carregavam um tom de malícia e suas mãos percorriam o contorno da taça de Dry Martine por ela carregada [...]

[...] as luzes encontravam-se no estado de penumbra, pelo quarto as roupas estavam espalhadas, dois corpos nus traçavam uma dança, num ritmo forte, sobre a cama. “Eu te amo”, “Como não te encontrei antes?”, “Em que mundo você se perdeu?”, “Você é meu mundo”... as vozes se misturavam na mesma medida que as línguas, as peles ardentes se tocavam, trocas de carícias deixavam seu cheiro pelo ar, o suor evaporava sobre a pele, os cabelos se trançavam entre os dedos, as respirações se uniam na mesma freqüência.

Logo amanheceu, Calvin encontrava-se deitado sobre as cobertas, olhos fixos no teto, sua mente vagava por um lugar não identificado, seu olhar era vidrado como de quem acabara de usar entorpecentes. Um suspiro atrapalhou o momento de silêncio, a mulher colocou-se sentada a borda da cama, levantou e vestiu-se. Calvin a olhou se vestir, sem expressão, sem diferença, sem emoção. Ela entrou no banheiro e o rapaz continuou em sua posição, sem mover-se, exceto pela sua respiração, qualquer um poderia jurar que ali jazia um homem morto. Até que Calvin levantou-se, dirigiu-se até a sua calça, a garota saíra do banheiro, Calvin abriu sua carteira, apanhou as notas e entregou-lhes.

- Você acredita que seja capaz de amar Calvin? – Indagou Dr. Berto.

- Não.

- E o que te leva a pensar dessa maneira? – Indagou novamente o doutor.

- Nada, eu cheguei a esta conclusão sem caminhos, meu coração é frio, não consigo imaginá-lo entregue a alguém. – Respondeu o rapaz sem pausa.

Calvin saiu do escritório e dirigiu-se ao estacionamento, mais um dia perdido com meras análises, nada de proveitoso retirado de seus pensamentos. Era hora de voltar à agência, Ricardo estaria o esperando para terminar o projeto da Clorosoda. Quando cruzou a saída do prédio assustou-se com uma moça que vinha em alta velocidade e falando ao celular, em instantes o esbarrão não pode ser evitado, a mulher carregava um copo de café nas mãos, que derramou sobre sua blusa branca.

- Perdão – Disse Calvin... no momento em reconheceu o rosto fino, moreno e de cabelos negros.

- Acho que estamos quites... – Sorriu a moça, seus olhos pareciam ônix quês brilhavam ao sol, sua cova na bochecha fora notada. Seu sorriso era leve e mal pode notar que naquele mesmo instante o próprio Calvin estava sorrindo.

Caminhou até o carro, quando entrou olhou pelo retrovisor, ficou alguns instantes olhando ela caminhar, até que decidiu sair do carro. Correu atrás dela...

- É... já que derrubei seu café. Será que posso lhe pagar outro? – Perguntou Calvin com as bochechas completamente coradas.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Foda-se tudo, foda-se o mundo, eu quero me manifestar.

Hoje, no dia 2 de junho de 2011, mais uma notícia de um crime vem a tona. A blogueira Lola Aronovich foi vilmente ameaçada por uma figura pública da mídia televisiva chamado: Marcelo Tas. Um crime contra a liberdade de expressão e o direito a opinião pessoal da blogueira, no qual, Tas utiliza, em toda a sua arrogância e prepotência, para ameaça-la a um processo, no qual possui em sua defesa a assessoria de umas das maiores redes de comunicação do país, por conta de Lola ter expressado sua opinião em relação ao posicionamento machista, preconceituoso e desrespeitoso dos participantes do programa CQC, da rede Bandeirantes, que tornam em sua jornada um incansável apelo por audiência, utilizando dos piores métodos de humor em fazer piada com as minorias e contra o direito de tudo que não seja o direito deles próprios.

Todos os dias, a qualquer momento, mulheres são violentadas, crianças são abusadas, gays são covardemente espancados, negros são humilhados e desrespeitados, nordestinos são marginalizados e descriminados e a dignidade das pessoas são feridas de forma agressiva e desrespeitosa no Brasil e em todo o mundo. E o que é feito? “NADA”, com todas claras e legíveis letras, nada. O direito a liberdade, o direito de escolha, o direito de possuir todos esses direitos são transformados em apenas teoria, pois sua prática é friamente descriminada e desrespeitada pela parte da sociedade que se diz normal e detentora do controle desses direitos. O cidadão cada vez mais encontra-se só, sem apoio do governo, da justiça e principalmente sem apoio dos humanos.

Nos acostumamos a estar acostumados com tudo, nos permitimos ser calados, deixamos que eles pisem nos nossos direitos o tempo inteiro, e não fazemos nada baseados no pensamento de que “uma andorinha só não faz verão”, mas enquanto nenhuma andorinha resolver se manifestar e fazer o verão, todos viverão em eterno inverno por toda a sua medíocre e hipócrita vida. Todos os dias nos indignamos ao assistir um telejornal, ou ler notícias na internet sobre atrocidades cometidas, as vemos serem cometidas contra nossos semelhantes, mas nada é feito para mudar essa situação, as pessoas preferem manter as suas bundas gordas e fedidas em cima de um sofá, do que sair as ruas para protestar. E quando um protesto de fato acontece, ainda assim, nada será feito, pois seus próprios semelhantes estarão sentados, os assistindo e comentando que eles não vão a lugar algum.

Então eu te pergunto caro leitor, onde foi parar a merda do seu amor próprio? Por que você continua sentado enquanto o seu direito é violado? Enquanto o seu dinheiro é roubado, enquanto a educação do seu filho é de péssima qualidade e você é obrigado a pagar uma escola particular, pois a pública que você sustenta com o seus impostos é uma merda, porque os seus governantes fazem farra com o seu dinheiro e mandam seus filhos estudarem fora do país com o seu dinheiro? Compram os melhores carros com o seu dinheiro, enquanto você é obrigado a enfrentar um transporte público de péssima qualidade?Moram em casas maravilhosas compradas com o seu dinheiro, enquanto você sua para pagar o aluguel ou a prestação do seu imóvel? Até quando você vai aceitar isso de braços cruzados?

A resposta é: até sempre, eu sinceramente cansei de sonhar com uma sociedade exemplo, e você, tanto quanto eu, tem culpa pela morte desse sonho. As pessoas continuarão humilhando as minorias, as mulheres continuarão sendo tratadas como carne descartável, e você continuará otário bancando a boa vida de deputados, senadores, vereadores, prefeitos e toda essa corja de vagabundos, indignos de estarem exercendo tais cargos. A crescente onda de conservadorismo que cresce no país, continuará nos afundando cada vez mais, pra uma sociedade sem escrúpulos, sem leis, sem direitos e sem dignidade, até o dia que gays irão se revoltar e atacarão héteros pelas ruas, que mulheres passarem a caçar homens em bando para torturá-los e emasculá-los, que negros agredirão brancos e criarão lugares onde a entrada dos mesmos será proibidas, quando judeus resolverem armar-se e atacar neo-nazistas brancos... quando crianças começarem a cometer suicídio para não ter que viver em meio a esse lixo de lugar que se tornará o mundo. Esse é o nosso caminho, esse é o nosso progresso, é pra isso que parece que estamos caminhando.

A vontade das pessoas não pode ser calada, mas ela é. O direito das pessoas não pode ser violado, mas ele é. As pessoas exigem respeito, exigem boa conduta, mas ela não é dada como exemplo, somos ordenados o tempo todo do que fazer, o quanto pagar, o quanto comer, o que vestir, e aceitamos tudo sem contradizer, mesmo quando tudo contradiz a nossa vontade. Eu cansei disso tudo, eu cansei de viver nessa sociedade e sei que em algum momento, alguém terá força suficiente pra lutar por mudança, eu espero estar vivo neste dia para poder, quem sabe, participar dessa luta, mesmo talvez tendo a derrota como resultado, mas apenas pelo poder de lutar.